17 de abr. de 2015

SOBRE MÃES E CORAGEM

Publicado no jornal Folha Carioca, em maio de 2013.

SOBRE MÃES E CORAGEM

Sempre que o assunto maternidade vem à tona, em algum momento acabo ouvindo, que sou corajosa. E sempre me pergunto: corajosa quem, eu? É uma maneira curiosa de ver as coisas. Não me sinto exatamente corajosa – de um modo geral – mas foram muitas as vezes em que a Renata e eu ouvimos comentários desta natureza. Renata é a outra mãe da minha filha Catarina. A mãe que gestou e amamentou, até o mês passado. Catarina está com 1 ano e 10 meses, é feliz, amo- rosa e dona de uma beleza irradiante (que filho não o é?).
Escrevi aqui na Folha Carioca em maio de 2011, quando estávamos esperando ansiosamente pelo nascimento da minha filha e a maternidade ainda era uma expectativa.
Voltando à questão da coragem, pensei: minha filha foi desejada, chegou na hora escolhida, com tudo preparado para recebê-la. Quando chegou, não bagunçou nossa vida, não quebrou nosso orçamento, não trouxe dificuldades. Tudo que ela trouxe foi uma felicidade absurda com sua presença abençoada. Onde está minha coragem?
Só porque pode vir a acontecer de sermos hostilizadas em algum grau, em razão de sermos uma família homoafetiva? Quantos não são hostilizados pela condição social, por exemplo? O mundo não é gentil com os pobres. Qual a diferença? Só porque pode acontecer de minha filha ouvir na escola coisas do tipo “sua mãe é sapatão”, da boca de alguma criança-papagaio-de-pais- -ignorantes? Quantas não ouvem “macaco, tição”, por serem negras? Qual a diferença?
Em relação à maternidade, muito se fala em noites sem dormir e fraldas a trocar, como se residisse
aí a coragem materna. Passei 9 meses imaginando as tais noites sem dormir, “até os 2 anos da criança”, segundo palpiteiros de plantão, e na prática isso nem aconteceu. Não sei se é questão de sorte, mas o fato é que minha filha sempre dormiu a noite toda e sofri em vão a expectativa. As noites mal dormidas se resumiram aos 20 dias em que ela sofreu de cólicas, deixan- do meu coração arrasado. (Quanto a isso sim poderiam ter me prevenido: coração arrasado).
Deveriam alertar as mães sobre questões realmente relevantes. Por exemplo: ninguém me avisou que eu ficaria num estado de sensibilidade tal que veria na minha filha recém-nascida todos os bebês do mundo. Ela era a materialização da mais profunda e genuína fragilidade humana. Quem estava ali na minha frente era um serzinho que não conseguia nada sozinho, nem mesmo virar a cabeça pra cima, caso se afogasse na banheira. E só vinham pensamentos terríveis na minha mente: “meu Deus, todos tão à mercê de toda sorte de atos desumanos... Que sorte tem a minha filha”. E a sensação de impotência quanto aos de má sorte? Ninguém me preveniu.
Também não me contaram que seria um período em que eu choraria horrores, porque o milagre da vida ali na sua frente, provocando em você um tipo de amor até então inimaginável, com toda aquela fragilidade - e, ao mesmo tempo, uma força da natureza - tudo isso cai sobre a alma da gente como um grito. Impossível não ouvir. Impossível não chorar diante dessa grandeza.
Ninguém me avisou que eu não ia ter tempo suficiente pra curtir aquele bebezinho de alguns dias, porque em muito pouco tempo ele já seria um outro bebê, de 2 meses. E depois um de 4. E 8, 12. Não me avisaram que eu teria uns 6 bebês até minha filha completar um ano, e que eu não teria tempo suficiente pra curtir cada um deles, tanto quanto eu gostaria. No máximo me disseram: passa tão rápido. E não é simples assim, não é só um tempo que passou rápido demais. Trata-se de perdas.
Enfim, se existe coragem de minha parte em ser mãe, talvez ela consista em apenas uma coisa: amar incondicionalmente. É uma experiência realmente única e, com certeza, não é pra todo mundo.
Mas não me sinto mais corajosa que uma mãe hétero, que tem o aval da sociedade pra exercer seu direito à maternidade e tem seu status de família reconhecido pelas leis tortas dos homens. Tudo isso eu e outras mães gays teremos lá na frente, afinal o mundo evolui, a despeito de.
Gays, héteros, pobres, ricas, solteiras, casadas, estamos todas lutando pra deixar seres humanos melhores para o planeta, dando nosso melhor amor e nos preparando para o inevitável vôo das nossas crias.
Talvez por isso a palavra coragem seja um substantivo feminino. Mas eu sou apenas mãe.
(Escrito por Ana Paula Brito, cuidando para se tornar desnecessária um dia, mas torcendo para demorar bastante, mesmo sabendo que o tempo vai voar...)

I LOVE RIO

Em 01 de março de 2015, em homenagem aos 450 anos da minha cidade do coração

Um dia fui seduzida sem dó nem piedade. Eu já estava em um relacionamento estável - e até certo ponto satisfatório - mas ai a beleza... A beleza é algo realmente implacável...
Uma covardia reencontrar a maravilhosa em um momento de fragilidade! Quando vi estava fazendo as malas e abandonando meu relacionamento "até certo ponto satisfatório": troquei São Paulo pelo Rio de Janeiro.
Morar no Rio de Janeiro é bem diferente de turistar no Rio de Janeiro. Exige que se enxergue além das aparências. Tem que ser capaz de amar incondicionalmente - sabendo que é um amor cafajeste. Não é pra qualquer um.
Mas beleza do Rio não é apenas fotográfica, geográfica. Existe todo um mundo de sutilezas pra além do óbvio, mas não é visível para qualquer tipo de olhar. A sensação de ser abraçada pela Baía da Guanabara e pelo Morro da Urca é única, algo que nunca senti em outros braços.
E - em pleno purgatório da beleza e do caos - tem a leveza, a ginga, o calor. Do sol sim, mas principalmente das pessoas. O carioca tem o sol dentro de si.
E sinto muita saudade. Eu choro enquanto escrevo isso porque estou longe mas o Rio não sai de dentro de mim. Amor eterno.
Vim embora por circunstâncias alheias à minha vontade, por momento de vida, poderia chamar de renúncia. Ainda não voltei para uma visita. (Quando um namoro termina e a gente ainda ama, leva um tempo pra conseguir ser só amigo...)
Hoje é aniversário do Rio de Janeiro! Quero agradecer por tudo que me fez sentir, tudo que me ensinou e me aplacou. E por um presente mais que especial: uma filha de duas mães e de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Deixo uma pequena homenagem, fazendo minhas as palavras de um carioca que amo, Tom Jobim:
SAMBA DO AVIÃO
(só quem já chegou no Rio de avião pode entender)
Minha alma canta
Vejo o Rio de Janeiro
Estou morrendo de saudade
Rio, teu mar, praias sem fim
Rio, você foi feito pra mim
Cristo Redentor
Braços abertos sobre a Guanabara
Este samba é só porque
Rio, eu gosto de você
A morena vai sambar
Seu corpo todo balançar
Rio de sol, de céu, de mar
Dentro de mais um minuto estaremos no Galeão
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Cristo Redentor
Braços abertos sobre a Guanabara
Este samba é só porque
Rio, eu gosto de você
A morena vai sambar
Seu corpo todo balançar
Aperte o cinto, vamos chegar
Água brilhando, olha a pista chegando
E vamos nós, pousar

23 de ago. de 2012

BLÁ


22/08/2012 (Catarina fazendo 1 ano e 2 meses)

Um amor impossível, para onde se recolhe quando precisa ser despejado do coração e permitir que a vida siga seu curso sem perder a cor e a beleza?
Que lugar é esse onde ele passa tão despercebido que parece até que morreu?
Mas a morte pertence ao mundo físico, e não é desta matéria que os amores são feitos, sobretudo os impossíveis. (Assombram de vez em quando, contudo.)
Umas vezes chego a procurá-lo e não acho. Outras, ele é quem me encontra, desprevenida, mas some logo, apressado. Tem medo de existir.
Chega a ser mórbida a saudade de senti-lo dilacerante dentro de mim, mas só o que está vivo pode ser dilacerado, e há nisso uma beleza irresistível. A beleza de tudo que pulsa vida. Talvez por isso não o queira morto, meu lindo amor impossível.
De preferência não me procure, mas deixe seu endereço pra quando eu acordar assim como hoje, procurando um pouquinho de dor para poder escrever.

14 de ago. de 2011

DESTINO

DESTINO
(esta acabou de nascer)



O vento mudou a rota do meu coração
Há tempos que te olho sem te ver
Que é pra não ver...
Mas te vejo 
Quando fecho meus olhos cansados de tudo que não pode ser
Meus olhos fechados
E meu destino selado
-sem você.

10 de ago. de 2011

SOBRE DEVORAR


(Não faço ideia de quando escrevi isso. Pasta dentro de pasta no meu pen drive.)

Não sou de devorar, prefiro degustar.
Devorar é rápido, degustar requer mais tempo e atenção.
O ato de devorar remete a fome,  que prefere quantidade.
Já a degustação remete a paladar,  e escolhe qualidade.
Sou mais seletiva que gulosa.
Pode até acontecer de querer devorar, mas só depois de ter degustado, e vai depender bem menos do tamanho da minha fome que do quanto aquilo me apeteceu...
E não há fome que me prive do deleite da degustação!
Eu até queria ser mais afoita, soa tão sexy... 
Mas não dá pra ter tudo :-(

15 de mar. de 2011

A Maravilhosa Cozinha de Simone Sou...

Escrevi este texto depois de ser arrebatada em um show da Simone Sou, em maio/2008, no Auditório Ibirapuera (SP). Encontrei nas minhas coisas - faxina de carnaval - e ia fazer o que com ele? Lá vai então...

A Maravilhosa Cozinha de Simone Sou...

"Lugar de mulher é na cozinha", foi logo anunciando Simone Sou, pra não deixar dúvidas de que estávamos todos em território tipicamente feminino. O anúncio foi só o começo do barulho!
Considerando que meu paladar mora essencialmente nos ouvidos, aquilo já começou cheirando muito bem... E soando melhor ainda!
Mas pilotar um fogão daquela maneira não é o que se costuma ver nas cozinhas por aí... Fazer tal uso de panelas e colheres de pau é talento raro, de quem tem mesmo intimidade com tamanha variedade de utensílios sonoros e com a arte do bem fazer. O fato é que se algo começa cheirando muito bem, geralmente termina dando o maior caldo! E ali não foi diferente.
Mulheres coloridas em sons e movimentos bem temperados deram o tom e o sabor da magia que foi preparada e servida ali.
As mesmas mãos que batem bolos e tambores também se atracam com pandeiros, congas e cajons, e, entre tapas e carícias, se entendem como ninguém.
E os braços, fortes e acolhedores como convém a uma mulher, embalam com amor e uma reverência quase sagrada os berimbaus manhosos que, meio humanos, oscilam entre risos e lamentos.
Tudo o que há de mais genuinamente feminino foi visto, ouvido e sentido ali. Força e delicadeza, vigor e sutileza, o nascedouro da beleza da criação. Alma e coração, criadores e criaturas, na forma mais pura de entrega e emoção.
O cardápio foi bem variado. Deu caldo, deu samba, deu música. Química e alquimia. Sinestesia pura.
E foi tudo tão bem tocado que tocou meu melhor instrumento percussivo: o coração.

10 de nov. de 2010

QUASE EM SEGREDO

Achei que já tivesse postado esta. Também foi uma letra escrita para uma melodia linda do Fred Martins, na oficina, em 2008.

QUASE EM SEGREDO


Quase em segredo
Medo sem boca nem voz
Fome sem freio
Presa, devora a si só
Quase em suspenso
Peixe sorrindo no anzol
Quase perfeito
Nuvem com gosto de sol
Quando eu percebo
Te viro do avesso com olhos vorazes
Fujo, disfarço
Me encosto, me afasto
Confundo as estações
Espero tanto
Esse momento
Peito explodindo
E o sorriso contido
Pra não dizer
Quase sem medo
Boca com fome de nós
Quase em segredo
Freio calou minha voz

9 de abr. de 2010

IR

Nos mesmos papéis... Em 20/01/2009


IR


Até quero te deixar ir
Você, que nem mesmo veio pra mim
Embora estivesse sempre aqui
Mas, se te deixo partir,
O que mais haverá de existir
Que não tenha cara de fim?

MAIS UM ESCRITO

Dia de faxina nos meus papéis sem fim... Mais um escrito, datado de 01/01/2009


Desde que aconteceu você em mim, uma luzinha apagada me acompanha. Eu, sempre tão iluminada com tantas luzes acesas, agora convivo com esta pequena escuridão. Uma sombra, talvez. 
Dizem que a escuridão não existe, que é só ausência de luz. Mas é certo que a "ausência de", existe.
Você, toda ausência, é minha escuridãozinha. 
Não, na verdade você é o céu de Copa no reveillon, toneladas de fogos de artifício no meu coração! Não ter você é que é a escuridão.
Tenho medo. Do escuro. De você. Da ausência de você. E de não conseguir ser de novo completamente clara. 

INCONTESTÁVEL

Acabei de encontrar no meio dos meus papéis, perdidos por aí. É de 17/12/2008

INCONTESTÁVEL

O sentimento é incontestável
Mas até ele é interpretado
E pode cair no rótulo errado
Só o silêncio é safo
Não porque seja exato,
Mas por ser abstrato.

24 de jun. de 2009

OLHA

Fiz esta letra para uma música linda do Fred Martins, em uma oficina que fiz com ele, ano passado. A melhor parte foi ouvi-lo cantando uma coisa que escrevi...

OLHA
(junho/2008)

Olha
Fiz chover no céu do seu sorriso
Me afoguei em cada não que eu disse
Afastei você de mim

Possa
Tanta água compreender o rio
Transbordar meu coração vazio
Converter o não em sim

Contra o tempo não há meio
Nem condição
Talvez fim vire começo
De solidão
Ou não...

Meus tropeços
Já não cabem nesse chão vencido
Não arrisco mais nenhum palpite
Quis jogar e me perdi

19 de mar. de 2009

O QUE É

19/03/09

Longe é qualquer lugar onde meus olhos não te alcancem

Durante é o que dura mais que o antes

Saudade é o depois do que é bom

Logo é quando o depois tem pressa

Dúvida é quando se quer tudo

Como eu quero você

Perto, logo, durante

E ainda mais que antes

24 de jan. de 2009

ISSO NÃO VAI DAR EM NADA

(esta acabou de nascer, 24/01/2009 - A chuva também me inspira, entre outras coisas)

Chove tanto e te espero chegar
Como chega a primavera,
A hora, a sorte, a noite da festa
Isso não vai dar em nada
Eu que te espere sentada
E à toa
Logo, logo tudo alaga
Lembrança, pensamento
Calçada
E meu coração apertado
A chuva regando os telhados
Lavando o que é sal em mim
E eu te querendo mais perto
Mais pele, mais ventre
Mais frente e verso
Isso não vai dar em nada
Eu que te sofra calada
Que me doa
Chove tanto e te espero passar
Como passa dor de barriga,
Manha, febre e preguiça
Como passa a chuva chovida
Deixando o chão inseguro
Eu não pedi pra chover
Mas se é assim que é pra ser...

GOSTO DE SIM

(esta é de 30/07/2008 - O sol me inspira, entre outras coisas)

Só se for por você
Tanto sol em pleno inverno
Quero tanto, não nego
Você assim bem perto
Do meu coração
Longe de todo não

Só se for sem você
Tanto frio em pleno inferno
Peço tanto, não nego
Mas eu nem sei ao certo
Se tal oração
Livra de ser um não

E é tudo, então...
O céu não me dá ouvido
O tempo sem pressa alguma
E, nessa, sua mudez profunda...

Mas são dias tão lindos...
E seu sorriso dança pra mim
Felicidade maluca essa
E fica tudo então
Com cheiro e gosto de sim

24 de dez. de 2008

SEM NOME

(Nem precisa de nome - escrito há um tempinho)

Meu coração palpita
Enquanto meu olhar te evita
Só meu coração é livre
O resto é triste...

3 de abr. de 2008

ASSOMBRO

Dia desses


ASSOMBRO

Você é um assombro
Eu não queria, mas me escondo
Qualquer distração me entregaria
E levaria meu chão
O que me protegeria
Se até meu silêncio me denuncia?
O medo de te amar é insano
Posto que já te amo

E já mora no abismo meu coração

CANSEI

Algum dia de 2007


CANSEI

Cansei de pedir asilo
No seu mundo inatingível
E ver minha alma desnudada
Ignorada por sua mudez impassível

Cansei de pedir visto
Pra adentrar seu território tão restrito
E ver minha alma desarmada
Barrada por sua miopia incorrigível

De repente já não é tão atraente
Que você seja assim tão diferente
Não sei o que se passa em sua mente
E nem como se sente realmente
Mas o gelo queima

Talvez não seja mais interessante
Fingir que é tudo mesmo irrelevante
Nossa real proximidade é tão distante
Nossa irreal proximidade é sufocante
E o gelo queima

Cansei de pedir licença
Pra ultrapassar sua fronteira vigiada
Cansei de tudo ou nada
Não quero mais jogar confete

E ver minha fantasia rasgada

2 de ago. de 2007

FOME DO IMPOSSÍVEL

Publicado na Folha Carioca em maio de 2008

Acordei com uma sensação estranha ontem. Quase como se fosse uma fome do impossível. Fome é urgente, traz desconforto e tem preferências. Eu me lembro da Bethânia cantando algo como “...minha fome não é qualquer coisa que mata...” A minha também não. Uma chatice isso de ser seletivo, mas é antes uma sina que uma escolha. Dizem que quem tem fome não escolhe o alimento, mas isso só vale em termos físicos e não é deste tipo de fome que estou falando. Aliás, meu corpo físico não é dado a grandes fomes, ele se contenta com pouco. Aí, pra compensar, nasci com uma alma faminta. No caso específico de ontem, acordei com uma fome maluca de tocar violoncelo para uma pessoa. Um oco inexplicável. Só que não toco violoncelo, nem tenho um. A única alternativa que encontrei foi ouvir um CD com violoncelo pra ver se aquela sonoridade me dava alguma ilusão de saciedade. Fechei os olhos, senti pulsando na mão o atrito do arco nas cordas, degustei a sutileza daqueles graves com a mesma suavidade com que eram emitidos, senti o cheiro da madeira e quase ouvi o chão ranger sob o peso daquele instrumento. Conforme absorvia a música, ia sentindo algum calor alcançar aquele oco. Quando abri os olhos cheguei de muito longe. Eu não vou saber como teria sido realmente tocar o violoncelo, e para a pessoa que eu queria, mas consegui não morrer de fome. Como cobrar sanidade se às vezes só o delírio salva?

1 de ago. de 2007

BORBOLETAS AZUIS

Mais uma de 1997 (só anos depois enxerguei o que tinha aqui)





BORBOLETAS AZUIS

Quero seus olhos
Pousando em mim
Como borboletas azuis
Tranqüilos e ardentes
Repousando em mim
Como o sol no mar
Depois de um dia quente
E quero seus olhos infinitos
Vagando felizes
Perdidos em meus desenhos
Como borboletas e sóis
Entre Netuno e Vênus

24 de jul. de 2007

I LOVE SAMPA

Esta crônica é de 2003.

I LOVE SAMPA

Durante uma viagem de lotação pela Vila Madalena, vi um carro com placa da minha cidade natal parado no sinal e voltei cinco anos no tempo, quando decidi vir morar na capital paulista.
            Diferente da maioria que vem pra cá atrás de grana, meu sonho era ter opções de filmes nos cinemas. Lia no jornal que estava estreando um filme interessante e rezava um terço para que ele fosse exibido logo (ou um dia) no único cinema da cidade. E os shows? Qual era a probabilidade de Zélia Duncan, Lenine e Madredeus baixarem lá em Botucatu num único mês? Nem na matemática dos milagres!
            Um grito me acordou:
-       Vai descer!
            Era uma senhora cheia de sacolas tentando chegar logo à porta de saída. Ela mesma ia descer. É engraçado este bordão de usuários de lotação, a própria pessoa grita: “Vai descer!”  Quem vai descer? Eu! Eu vai descer!
            Mas eu não desceu, então continuei minha retrospectiva. Está certo que eu ainda não imaginava o quanto a relação custo/benefício paulistana era peculiar. Três shows maravilhosos num único mês tinham um preço. Quanto ao cinema, também descobri que não dava para sair de casa dez minutos antes de começar o filme  e chegar a tempo de comprar o ingresso; estacionar o carro na frente do cinema, de graça, e ainda encontrá-lo intacto ao término da sessão; conseguir, só com uma nota de dez reais, pagar a entrada e a pipoca  e ainda voltar com o troco (leia-se: não há flanelinhas ).  De qualquer forma, acabamos aprendendo que tudo aqui é proporcional ao tamanho da cidade...
            - Licença!
Um senhor sentou-se ao meu lado, sorrindo muito. Não parecia paulistano, mas nordestino. Tive certeza quando puxou conversa com a garota de amarelo  e logo todos riam e falavam ao mesmo tempo:
-       Aquilo num presta não, queria vê se fosse mãe dele!
-       Mas num é?
É impressionante como os nordestinos são desinibidos, corajosos, alegres, solidários. Mas o sangue é quente! Alguém se exaltou com o motorista porque não podia descer fora do ponto. No meio da rua, para ser exata. Os outros motoristas deixavam, por que ele não? Em dois segundos todos estavam a favor do passageiro e o motorista foi obrigado a abrir a porta ali mesmo.
            Pensei que devia comprar um carro... Mas tenho que confessar, só de me imaginar dirigindo aqui passo mal! Eu sou uma só, como é que posso ler as placas, mudar de pista sem me esquecer de dar seta, reparar se o sinal está fechado para todos ou só para a pista da esquerda, saber para onde estou indo, onde fica o retorno, tudo isso a mais de sessenta por hora, ficar de olho porque alguém pode quebrar meu vidro e me assaltar, e ainda me preocupar se um doido não vai pular do lotação, bem em cima do meu capô? No mais, andar de ônibus em São Paulo não é tão ruim. Dá, por exemplo, para fazer compras: balinhas, adesivos, canetas, chaveiros. Aceita passe que, afinal, é uma moeda corrente como outra qualquer.  Às vezes fazem apresentações musicais, que podem ser instrumentais, à capela ou violão e voz. E você só paga se gostar! Há monólogos também: testemunhos, depoimentos, pedidos de ajuda. Alguns me tocam pela estória ou pela capacidade de persuasão. Outros pela cara de pau. Há quem consiga até dormir! E não são poucos, principalmente quando chove (não pelo barulhinho bom da chuva, mas porque o trânsito fica parado por horas). Enfim, pode ser uma aventura! Ah, só convém se lembrar de não pegar ônibus quando tiver jogo do Corinthians! Pensando bem, talvez um dia eu dirija...
            - Vou descer! gritei, só pra sacanear. Mas ninguém reparou no meu português.
Já na rua, fui tomada por um conforto e uma gratidão inexplicáveis. Vi o quanto amo São Paulo. Não importa meu português, nem a cor do meu cabelo. Aqui pulsa vida, pulsa diversidade. Chega a ser uma promiscuidade isso, pizza com forró, yakissoba com caldo de cana! Sempre tem alguém oferecendo o que a gente precisa e alguém precisando do que a gente oferece. A terra da garoa é fértil: em se plantando, tudo dá!
Então descobri que é esse o irresistível charme de Sampa: a fertilidade. Uma fertilidade que faz brotar toda e qualquer semente criativa, democraticamente!

Agora já não vou tanto ao cinema, morro de sono. Ironicamente, às vezes até penso em ter uma casinha de campo para uma escapadinha vez ou outra. Mas a fertilidade - que só tem aqui  - fecundou tudo ao meu redor. A semente que eu trouxe há cinco anos começou a brotar assim que cheguei. Já me rendeu frutos muito saborosos, que ainda estou degustando, e novas sementes também. Para os padrões da minha terra já seria um banquete! Mas, como tudo é grande por aqui, talvez eu esteja só no aperitivo...


18 de jul. de 2007

MENINO-TATU


2006 - Em Lagoinha (Ceará), em férias de muitas emoções contraditórias. Este menino tinha um tatu e tirava fotos com ele por 1 real.


Menino-tatu


Menino-tatu, menino-descalço
Menino-barriga, menino-robô
Menino-sem-graça, menino-cansado
Menino-pele-de-sol-olhos-de-areia
Menino-bonito, menino-rotina
Menino-luta, menino-tábua-de-salvação
Menino-sim, menino-não
Menino-eu
Menino-solidão

JEITINHO BRASILEIRO

2007

JEITINHO BRASILEIRO

Dignidade aviltada é corriqueiro
O que vale mesmo é o dinheiro
Não há o que não se consiga
Com o jeitinho brasileiro
No reino da esperteza
Favores, agrados, conchavos
São sinais da realeza
Qual o limite do que se admite?
Mentira, certo e errado
Quem é culpado?
Todo mundo é tão esperto
Lei de Gérson
Propina
Macunaíma
Nossa suprema idéia
De nação verde-amarela
Passa mais por Macabéa
Na vasta feira das facilidades
Gabaritos, lugares na fila
Negócios da China, pirataria
São tantos os patrocínios
(Patriocídios)
Pra cada rei tantos bobos da côrte
Babando o ovo e sorrindo sem dentes
Pra nossa paz aparente
Crentes que são espertos

ÁTONOS

Sem data, achei no meio de um livro em plena faxina, com uma observação: "ouvindo ZD" (como se precisasse)

ÁTONOS

Adoro os sons de ti
Os “ãs”, os “ons”
Os “us”, os “is”
Os “nãos”, os “sins”
Os átonos tonificados
Os graves em altos brados
Tons e sons bem temperados
Ai meu coração descompassado!

OLHOS E RESPIRAÇÃO

Rascunhos de 1997 resgatados e finalizados em 2007

OLHOS E RESPIRAÇÃO

Chão sem chão
Sou olhos e respiração
Sem respiração
Sinto o ar escasso
Perto ou fora do seu abraço
Enquanto sonho com seu abraço
Sua imagem assim
Intensa
Desliza em mim
Imensa
Cheia de mãos
Vai logo tocando em tudo
Todo meu mundo
Mas no fundo é tudo não
Então
Ardo e respiro
Ou tento
E o ar que me falta se te vejo
É o mesmo que assopra meu desejo

17 de jul. de 2007

NÃO DEU


2007 - Numa tarde à toa olhando a paisagem na Praia Vermelha

NÃO DEU

Não deu praia você e eu
Choveu mais do que devia
Não deu liga
Não deu briga
Não convenceu
Eu não sou eu contigo
Nem amigo nem Romeu
Passei batido
Podia ter sido
Só não deu

REVIDE

2006 - Logo que me mudei pro Rio

REVIDE

Aqui a violência
Está sempre de mãos dadas
Com as mãos atadas
De quem pode nada
Quem pode nada
Nada tem a perder
E, não o tendo,
Pode tudo
O que é absurdo?
Não dá o que te pedem
Não dá o que te excede
Não dá nada mas quer e de graça
Não planta mas colhe e se farta
E se quem vive na escassez
Cansou de esperar sua vez?
E se quem vive esquecido
Cansou de ser invisível?
E se viver à base da pancada
For revide pela existência ignorada?

CORAÇÃO NA BOCA

Esta é de 1996. (Eu já tinha um coração na boca antes de conhecer o da ZD)

CORAÇÃO NA BOCA

A doçura do seu rosto
Me põe o coração na boca
A aflição não é pouca
Mas é boa
E a boca do estômago
Pula e me alcança a garganta
Mas sua doçura é tanta
Que faz carnaval no meu peito
E já nem sei se é o seu jeito
Ou o meu, de te enxergar

5 de jul. de 2007

PRA COMEÇAR

Resolvi ter um blog. Outro dia eu estava num show da Zélia Duncan, no teatro Rival, e meu chão tremeu. Bom, sempre treme, há dez anos vou aos shows dela e há dez anos meu chão treme. Mas desta vez derrubou uns tijolos e estou sendo obrigada a algumas desconstruções. Pra depois construir de novo. E o blog com isso?
Naquela noite ouvi coisas como "come on baby apostar na falta de exatidão" , "benditas coisas que eu não fiz... meus verdes ainda não maduros... os espaços que ainda procuro..." e "chega de tanta sala fechada, tanta fala calada, tanta água parada" . Eu já tinha ouvido, mas ouvir e ver, ao vivo, nesse exato momento da minha vida, derrubou os tijolos.
Não vou contar a estória da minha vida, mas questionei minha timidez, meu medo de me expor. Não seria a timidez uma vaidade? Por que tanta preocupação com o inevitável julgamento alheio sobre mim? O que pode acontecer de tão grave se eu mostrar meus sentimentos? Lembrei da raposa e as uvas, eu me vi nela e não gostei. Seria mais positivo ela buscar ajuda, pegar um banquinho, uma escada, e não matar o desejo pelas uvas só porque elas não estavam acessíveis. Posso cair da escada, mas quero as uvas ou não? Quanto eu as quero?
Vendo a Zélia naquela noite senti minhas uvas mudando de cor, saindo do verde para o vinho e me enchendo a boca d´água. Minhas uvas são tocar bateria e escrever. Em São Paulo eu tinha uma desculpa, trabalhava demais, não tinha tempo nem disposição, me sentia sufocada. Mas agora, aqui no Rio, trabalhando seis horas, sendo impregnada de natureza por todos os lados, a desculpa não cola mais. Está tudo tão mais leve que a desculpa começou a pesar na consciência. E aí veio a Zélia, mais uma vez.
Quanto ao banquinho, já tirei o pó dele e me sentei pra recomeçar a estudar bateria. Estou dando um jeito. Não é o que dizem, que quem quer fazer uma coisa encontra um jeito e quem não quer encontra uma desculpa?
Quanto à escada, é este blog. Aqui vou me dar ao luxo de escrever o que sentir vontade, vou postar meus escritos, minhas letras de futuras músicas, boas ou não, bobas ou não, vou me expor e tentar esquecer que os outros vão julgar (por favor) o que virem. Será o meu exercício pra tentar um dia saborear minhas uvas. Pra começar.
* Créditos das músicas citadas: "Tudo ou Nada" - Itamar Assumpção e Alice Ruiz; "Benditas" - Mart´nália e Zélia Duncan; "Chega Disso" - Alzira Espíndola e Arruda. Todas do CD "Pré Pós Tudo Bossa Band", da Zélia Duncan, com exceção da última, apenas no DVD de mesmo nome.